a pior newsletter do mundo #014 | crônicas de um avião
Cercado entre duas receitas de sucesso: como convencer alguém em 90 segundos e o poder do não positivo. É essa posição que me encontro em um voo lotado e naquelas cadeirinhas apertadas.
Tive que comprar a saída de emergência, sou grande demais e minhas pernas doem. Mas isso não vem ao caso.
As regras da ANAC são muito brandas em aceitar qualquer maluco na saída de emergência.
Mas voltando ao assunto. Não me leve a mal, acho que as duas coisas podem acontecer, apesar do meu ceticismo com folclore coach.
Será que o senhor a esquerda realmente tá precisando convencer alguém em 90 segundos? As vezes que precisei convencer alguém em 90 segundos foi em balada tentando conseguir a atenção de uma garota quando era xovem e falhando sempre. No jogo da sedução eu sempre joguei mal e no jogo da beleza eu nem entro em campo. Mas isso não vem ao caso também.
Mas quando trabalhei no comercial, e trabalhei muitos anos nisso, nunca foram só 90 segundos. Algumas negociações duravam dias, precisavam cozinhar um pouco. Só se resolvia negociação grande em 90 segundos em uma hipótese: muito dinheiro na mesa logo de cara.
E o cara a direita tá precisando mesmo dizer não positivamente? O que seria um não positivo? Um não que não magoa o coração? Um não que mesmo negando algo gera um efeito positivo na pessoa que teve seu pedido negado?
Hoje em dia que ninguém mais admite estar errado, as pessoas estão perdendo a capacidade de se reinventar com os próprios erros por orgulho e soberba, será que as pessoas vão encarar um não positivamente? Ninguém quer ouvir não.
A vantagem de escrever aqui é que se você me leu até aqui, você já me disse sim sem eu nem pedir muito. Vide o nome da newsletter e a mensagem de boas vindas. Mas isso também não vem ao caso.
E eu no meio dessas duas teorias intrigantes, lendo um livro de um cara que sequestrou um avião, fez o piloto pousar no aeroporto mais próximo e desembarcar todos e depois o piloto pulou de paraquedas enquanto o cara mijava na porta do avião, antes de fechar e subir para altitude de cruzeiro.
E depois ele contava a própria vida, mas história é longa e pesada, com muitas coisas surpreendentes e pesadas, típico do Chuck Palahniuk. Não é uma boa leitura pra levar pra um avião, percebi agora.
Na fileira a minha frente, um rapaz com seus 30 e tantos ou 40 e poucos anos. Frenético no seu notebook usando a internet paga do avião. Passando e-mails, mexendo em planilhas, atualizando um Powerpoint, passando mais e-mails, ufa. Cansei. Uma vida que eu já vivi e escapei. Essa vida que não se pode tirar algumas horas off-line em um voo que provavelmente é a trabalho.
Você está sendo pago pra sair da sua casa e do seu conforto e mesmo assim não pode simplesmente curtir o ruído branco que é o barulho do avião funcionando adequadamente. Dormir. Desligar a cabeça que seja. Passe e-mails, preencha planilhas, antes que o avião pouse. Antes que o avião caia.
Se cair, vai estar na lápide dele: morreu passando e-mails.
Quem sou eu pra julgar o cara do sim em 90 segundos e do não positivo e o cara que pode morrer passando e-mail.
Estou indo respirar fumaça em uma cidade que eu já abandonei e nem queria estar pra ir a um evento que no fim das contas nem faço tanta questão de ir. Talvez eles estejam melhores do que eu, indo pra onde querem.
Vou chegar numa cidade que já foi meu lar mas hoje é só o fantasma do que um dia já representou pra mim. Não tenho saudosismo nem vontade de matar saudade de nada, exceto da padaria que eu tomava café da manhã. O pão na chapa de lá era divino. Sou uma pessoa de prazeres simples.
Vestirei minha máscara social. Talvez encontre pessoas legais, talvez encontre pessoas nem tanto. Mas ja me disseram que cara não posso fazer pra poder fazer amigos. Ponto pra mim.
No fim vou chegar contando as horas pra ir embora. No máximo pedir um lanche gostoso pra comer deitado na cama enquanto eu assisto alguma coisa desinteressante em algum streaming igualmente desinteressante.
Mas o bom de ir com expectativas baixas é que nada de ruim surpreende ou coisas simples podem surpreender.
A probabilidade é igual.
Sabe o mais engraçado de tudo isso? Durante as quase 3 hrs e meia de voo, nenhum dos meus colegas de fileira tocaram nos seus livros. Devem ser leituras interessantíssimas.